Salmos 1.1-2. Poetizando o negativo e o positivo o texto eencontra uma maneira de definir completa, inclusiva, que encontramos em outras passagens: p.ex.:
- Jó era “religioso e separado do mal” (Jó 1,1.8; 2,3; Pr 3,7; 16,6.17);
- Isaías já profetizava “cessai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem” (Is 1,17) etc.
I. MAS O QUE É O MAL
É fácil para o cristão cair na tentação de mistificar o mal, ou praticar o mal sem saber que o está fazendo, e ainda deixar que sua prática esteja em nossa casa.
Nem sempre foi fácil determinar o que é mal porque conservamos uma visão mística e satânica dele. Mas, enquanto estes textos falam do apartar-se do mal, o salmo personaliza o mal como conduta dos malvados, e está mais próximo dos versículos seguintes:
- Provérbios: 3.31 Não invejes o violento nem escolhas nenhum de seus caminhos.
- Provérbios: 22.24,25 Não te juntes ao colérico nem vás com o iracundo, para que não ocorra que te acostumes com seus caminhos e te ponham uma armadilha mortal.
- Provérbios 23.17 Não tenhas inveja dos pecadores, mas sempre dos que respeitam a Deus
- Provérbios 23.18 assim terá um porvir e tua esperança não fracassará.
1. Três Honrados e Três Malvados:
- ÍMPIOS/NÃO ANDA = Andar no Caminho dos Malvados, pecadores, com significado de cínicos – O adjetivo designa o homem que despreza com superioridade, burla com segurança, não respeita nem valores nem pessoas.
Os malvados não são simples. Como em Ez 28.2 “a assembléia dos deuses” - PECADORES/NÃO SE ASSENTA.
- ESCARNECEDORES/NÃO SE DETEM entar na Roda. O trio enuncia uma ruptura total com um modo de viver e atuar; ruptura que Pr 29.27, fechando um ciclo, enuncia em termos de incompatibilidade radical, de aborrecimento mútuo.
Caráter teológico tem a confissão do Sl 139.21: “aborreço, Senhor, os que te aborrecem”.
Como há três graus de malvados, a saber, os que propõem, os que pecam, os que se obstinam, assim também há três graus de honrados, a saber, principiantes, adiantados, perfeitos.
2. Parte positiva: Prazer, Gozo e Desejo.
A três substantivos identifica a Lei do Senhor, Sua Lei.
A Lei é originariamente uma instrução, uma diretiva; é a vontade de Deus articulada em palavra e comunicada ao homem; pode converter-se em entidade autônoma, objetivada; chega a significar um corpo cristalizado e transmitido com autoridade. Contudo, o genitivo pessoal “do Senhor” pesa tanto como o substantivo: a relação com Deus está na consciência
Prazer, Gosto, Desejo: a lei não se sente como imposição externa, vinculante da liberdade e restritiva, mas que se interioriza para ser amada. Isso é eternizado em alguns paralelos:
- Js 1.8 Que o livro dessa lei não te caia dos lábios; medita-o de dia e de noite; para pôr em obras todas as suas cláusula assim prosperarão tuas empresas e terás êxito.
Essas sentenças, normalmente atribuídas ao Deuteronomista, influenciam na formulação do Sl 1: O que Josué, havia dito para o seu povo, agora é oferta universal, sapiencial.
Sl 40.9 Deus meu, eu o quero: levo tua lei nas entranhas. Enquanto este texto fala de uma felicidade que consiste em observar a lei, o Salmo 1 se detém na meditação, como tarefa permanente, supondo que dela se seguirá o cumprimento.
E curioso que se detenha aí, inclusive se afastando do modelo de Js 1.8. Por quê? Talvez porque o salmo programe uma atividade recolhida, de simples meditação, própria do mundo espiritual dos salmos.
Através da meditação o homem poderá modelar sua conduta = significa mussitar, sussurrar e mais tarde meditar.
Opõe-se à meditação em voz alta, Sl 50,16, ou à leitura em voz alta, DT 17.19. Aqui é mostrado apenas o poder da meditação.
3. O Que é Dito Deste Homem?
É dito que consistia apenas em meditar na lei do Senhor ou nas consequências dessa atividade?
É no verso 3 que é respondido. Passando às consequências valendo-se de uma figura vegetal singela, um esboço de paisagem: uma árvore plantada junto a ribeiros, com o sulco sempre assegurado, de folha perene e fruto em seu tempo.
Obviamente, mesmo sem cair na alegoria pormenorizada, a Lei do Senhor é a corrente de água que o homem absorve meditando.
O fruto é consequência de uma vitalidade bem regada, não é um prêmio dependurado por fora, como os enfeites de uma árvore de natal.
Por que também as folhas? Fazia falta para completar o paralelismo e trazer uma visão de beleza, frondosidade que é um sinal de vida e oferta de sombra para os viajantes.
- Verso 13: O honrado florescerá como a palmeira, se alçará como cedro do Líbano;
- Verso 14: plantado na casa do Senhor, florescerá nos átrios de nosso Deus;
- Verso 15: na velhice continuará dando fruto e estará loução e frondoso.
As árvores que contempla Ezequiel, vivificadas pelo manancial do templo, justificam expressamente as folhas: Jeremias 47.12 “seus frutos serão comestíveis, suas folhas, medicinais”.
Jeremias frisa a esterilidade do povo mencionando frutos e folhas: “não há cachos de uva na videira nem figos na
figueira, a folha está seca” (Jeremias 8,13). Por sua vez, Isaías (texto provavelmente posterior) pronuncia esta maldição: “serão como carvalho de folhas secas, como jardim sem água” ls 1,30.
Mais que os textos precedentes interessa-nos Jr 17,5-8, porque o seu desenvolvimento antitético está mais próximo do Sl 1:
- Verso 5: Maldito quem confia no homem e busca apoio na carne apartando seu coração do Senhor!
- Verso 6: Será espinho da estepe que não chegará a ver chuva habitará em deserto abrasado, terra salobra e inóspita.
- Verso 7: Bendito quem confia no Senhor e busca nele seu apoio!
- Verso 8: Será uma árvore plantada junto enraizada junto à corrente:
quando chegar o calor, não temerá, sua folhagem continuará verde,
em ano de seca não se assusta, não deixa de dar fruto.
Jeremias opõe bênção a maldição, o salmo fala de felicidade; o tema de Jeremias é a confiança em Deus ou no homem e se fixa na ameaça periódica da seca. O aspecto parecido dos dois textos é bem restrito.
Mas o poema abandona a breve figura vegetal, dá um salto ao momento escatológico e adota um tom sentencioso, mais regular = Malvados e pecadores hão de comparecer ao juízo definitivo de Deus;